terça-feira, 10 de abril de 2012

Ocupada demais

Ana era uma jovem sonhadora, recém chegada à segunda década de vida. Apesar da curta viagem, o caminho lhe proporcionara vários obstáculos que lhe calejara as mãos...e o coração. Tinha tantos sonhos, mas o único que lhe tirava o sono era o amor não correspondido de seu ex-namorado, Rafael.

Ana e Rafael tiveram, por um ano e pouco, o frescor da paixão ardendo dentro de si e com isso saborearam doces e incríveis momentos. Ana não esquece, nem Rafael. Por mais que o destino tenha os separado, a saudade visita e o tempo não apaga o que da vida já se construiu.

Um relacionamento tão jovem e encantador como esse, normalmente é conturbado na despedida. Ambos haviam experimentado pela primeira vez na vida o amor, a rosa...mas também os espinhos e, nesse sentido, Ana não havia digerido os espinhos. Ainda chorava o desejo, mesmo que seu primeiro amor não tivesse nada além de memórias dentro de um magoado coração. À cada novo dia - que parecia ser mais longo - e à cada noite perdida de sono, sua autoestima descia vários degraus. Sentia-se menor...incapaz de amar e ser amada, apesar de no fundo saber que era uma grande garota. Sonhadora porém cultivadora dos pequenos detalhes, sedenta pela vida e pelo amor que sentia-se capaz de proporcionar. Sabia de suas qualidades, mas nesse momento Ana só enxergava um ponto escuro em meio à folha totalmente branca.

Ana em sua triste empreitada conheceu Marcelo, que apesar de ouvir os lamentos de Ana por longos dias e oferecer-lhe o ombro, a palavra e a cumplicidade, tinha dentro de si a certeza que poderia dar à Ana o que de melhor aquela jovem merecia. Sabia também que ultimamente Ana não dava atenção pra rapaz nenhum, fosse ele malandro ou um gentleman, como ele mesmo. Mas nunca desistiu, fez o que de melhor podia e mesmo que tentasse, Ana estava ocupada demais...

Ocupada demais carregando suas pesadas malas, cheias de pesos desnecessários. Por vezes cansada, abria suas malas e remexia tudo ali dentro, mas nada retirava. Estava ocupada demais alojando dentro de si o que já deveria ter ido embora há algum tempo, e tão ocupada não tinha tempo para os outros... nem pra Marcelo. Havia tornado-se refém de seus medos, de ficar sozinha, mesmo que a solidão já lhe habitasse por tempos.

Ana acomodou-se na dor e criou laços com suas dificuldades. Por vezes proferia: "Eu sou assim -e não posso mudar", criando uma máscara que escondesse sua face, de seu coração. De reconhecer que havia sido derrotada e a partir dessa etapa começar a superar sua perda. Mas Ana estava ocupada demais, ocupada demais em viver a vida de seu ex-namorado, antes mesmo da sua. Dizia amá-lo tanto e, mesmo na dor, acreditava poder proporcionar à ele uma grande história de amor, ainda que não pudesse fazer isso a si mesma.
Marcelo partiu e, com ele, partiram novos encontros e desencontros.
Ana? Bem, Ana segue sua luta...contra suas malas. E nelas um bilhete deixado por Marcelo:

"Andar na direção do outro é também fazer uma viagem. Mas não leve muita coisa. Não tenha medo das ausências que sentirá. Ao adentrar o território alheio, quem sabe assim os seus olhos se abram para enxergar de um jeito novo o território que é seu. Não leve os seus pesos. Eles não lhe permitirão encontrar o outro."

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

O melhor da palavra é o silêncio...

Por vezes tento encontrar palavras que aliviem meus sentimentos
Quando na verdade o que sinto está mesmo é nas entrelinhas...
O que eu acho mesmo é que palavra precisa amadurecer na gente
Assim como o vinho amadurece em si mesmo no descanso do passar dos anos

Palavras precisam dos contornos dinâmicos que a vida me oferece
Da sabedoria diária de encantamento à cada amanhecer..
de deixar partir aquele pássaro que pousa por alguns instantes na minha janela..
A sabedoria em entender que ele só é tão encantador por aqueles instantes..
pela partida e pela incerteza da volta no amanhã...

E nessa arte do amadurecimento da palavra,
Da pergunta certa invés da resposta certa,
Há o poder da palavra, que por vezes bem colocada
Tem o dom de colocar na posição certa do vento
Aquele que contra o vento anda lutando.

O que há de mais belo nisso tudo é a arte
De se arriscar no mundo das palavras.
E na arte do amadurecimento delas,
Afinal palavras são nada mais que o grito de dor e o agradecimento
Tentando achar um lugarzinho pra se mostrar.

Dizem por aí que o melhor da festa é esperar por ela,
E quão sábio é isso...
Afinal, o melhor da palavra é o amadurecer dela.
É o silêncio que em mim brotou, antes da escrita.

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Distância que faz ruir

Não se trata de egoísmo. Viver de "dentro pra fora" é questão de sobrevivência.
O sábio mesmo já disse: "Quem vive se buscando, nunca para de chegar".

As felicidades de fachada são tantas e irreais, tão atraentes e fascinantes,
que o fardo de viver a aventura das questões humanas é realmente pesado..
Não é preciso tanta vivência pra experimentar o sabor amargo das decepções que nos causam dor,
Mas não te tornes escravo dos próprios limites, a dor é propriedade da vida.

Desde o nascimento é assim, saio do aconchego caloroso do útero maternal
para o avesso de um mundo viral. Choro, é claro.

Entretanto o ponto alto do limite humano é a própria ausência.
Diga-me tuas piores mazelas e te direis o quanto te ausentastes de ti.
Quanto mais longe arrisco-me fora de mim mesmo, maiores são as decepções e os erros.
Praticando o que não somos vivenciamos a fragilidade que somos.

Eu costumo imaginar os animais fora do seu lugar de origem, perdem o brilho.
Há decepção maior do que não estarmos trabalhando em quem realmente somos?
Talvez nossas pequenas dificuldades rotineiras estejam nos agredindo tanto.
Estamos longe do nosso lugar de origem, sem firmeza...sem brilho.

Olhar pra dentro sem máscaras pode até doer, mas também gosto de imaginar o reino vegetal.
Árvores fortes e duradouras possuem as raízes mais profundas. Parecem tão firmes.
Mas quem foi que me roubou de mim? Como posso ser ausente de mim mesmo?
Tire suas máscaras, olhe pra tudo que parece tão velho em você de um jeito novo.

É renascimento...à cada dia. É a realização humana de ser apesar dos apesares.
Nunca esqueça das plantas, elas são realmente muito instigantes.
Ter sempre uma boa colheita é trabalho pra todo dia. Cultivo hoje e colho amanhã.
Se deixo de cultivar hoje, posso não ter o que colher amanhã.
A saudade é um bom exemplo.

Que a gente tenha a consciência de nossa limitação, e dela não faça-se o acômodo.
Que tenhamos a sabedoria de descobrir a própria essência e dela não mais se ausentar.
O que precisamos muitas vezes não é um caminho novo, mas um jeito novo de caminhar,
por isso repousemos sobre nós mesmos e experimentemos a nossa própria verdade.

Ah, e em nenhum momento da vida esqueças do amor...

"O amor é a capacidade de descobrir no outro o que ele ainda não viu que tem.
É como se você tivesse uma grande propriedade e não tivesse a capacidade de andar por ela para demarcá-la."
O amor sugerido pode começar por você mesmo, demarque seu território interno, conheça sua totalidade.
Há muito o que descobrir para evitar as ausências. Devolva-te a ti mesmo.